(publicado originalmente em duas partes, em 16 de julho 2012 e 24 de julho de 2012)
Nos últimos tempos, venho vivenciando as primeiras sensações da paternidade. Isso tem me feito refletir não só acerca deste momento, mas, entorno dessa vivência que não é pessoal, mas, arquetípica. A respeito dessa experiência, desde muito, a música “O filho que eu quero ter” (Vinicius de Moraes e Toquinho) me tocou profundamente. Conta a história que, Toquinho
numa bela tarde, na praia de Boa Viagem, no Recife, contou a Vinícius sobre seu desejo de ter um filho. Experiente no assunto, o poeta respondeu algo como “Vai nessa! Dá trabalho, mas é muito bom.”
E Toquinho foi além. Mostrou-lhe uma melodia que havia composto inspirado naquele desejo, com uma levada típica de cantigas de ninar. Foi à praia e deixou o parceiro a embalar a música recém-composta.
Ao voltar, encontrou Vinícius aos prantos, com a letra pronta.
Toquinho costuma dizer que a vontade de ter filho era sua, mas Vinícius fez a letra pensando muito mais em si. O homem encantado com o sonho de ter um filho, vê-lo crescer e, ao final, em seu leito de morte, ser por ele embalado com a mesma canção com que o fazia ninar, embevecido por vê-lo reproduzir seu sonho de também ter um filho. (http://portrasdaletra.blogspot.com.br/2007/04/o-filho-que-eu-quero-ter.html)
Antes de continuar, é melhor lembrarmos a música.
O Filho Que Eu Quero Ter
É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele temDe repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele temQuando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer Ter.
Do desejo do Toquinho passando pela letra do Vinicius, podemos vislumbrar o mistério da paternidade, que nos atravessa geração após geração. Onde o ciclo da vida se regenera e ganha nova força. Em sua canção, Vinicius descreve não só o drama de uma vida, mas, o drama humano.
Quando falamos em psicologia junguiana de “arquétipo” falamos de um uma “espécie de drama sintetizado. Começa de tal e tal maneira, amplia-se em virtude de tal ou tal complicação e encontra sua solução desta ou daquela forma. Este é um modelo comum.” (EVANS, 1973, p.55). Assim, buscamos compreender os aspectos relativos a experiência humana, isto é, ao drama humano. Por isso mesmo, devemos compreender que o arquétipo corresponde a toda a possibilidade concernente a este núcleo temático, em nosso caso, do arquétipo paterno.
Mas, porque falar em “arquétipo paterno” e não em “função paterna”? O conceito de “função paterna” se desenvolve especialmente a partir da releitura de Lacan, que compreende a função paterna no plano da estruturação do sujeito, associado ao processo edipiano onde a “função paterna” ou “o nome do Pai” se interpõe ao par Mãe-filho, representado pela “Lei” e a “autoridade”. Segundo Brandão “o Édipo lacaniano deve ser situado em torno da função paterna, articulando os conceitos de falo, falta de objeto e castração” (2005,p 30).
Assim, quando nos referimos ao arquétipo paterno, não estamos negando a dimensão da psicanálise, mas, indo para além da mesma, não se restringindo a uma determinada possibilidade única. Compreendemos assim, que a função paterna como descrita pela psicanálise é uma das possíveis expressões do arquétipo paterno.
Pluralidade do Arquétipo Paterno
O arquétipo paterno é uma configuração de miríades de possibilidades da experiência humana de ser pai. Experiência estava que vai desde de o aspecto mais basal ou puramente biológico, pautado em procriação, até o aspecto mais diferenciado que é adoção por escolha e afetividade.
Por estar enraizado numa experiência tão arcaica, o arquétipo paterno em certo nível, está intimamente relacionado com a dimensão da masculinidade , por isso mesmo, podemos acreditar que é a partir arquétipo paterno que os demais arquétipos masculinos se diferenciam. Podemos, compreender esse fenômeno a partir do que Neumann denominou o processo de fragmentação de arquétipos,
aquilo que chamamos de “fragmentação de arquétipos” é um processo mediante o qual a consciência busca arrancar do inconsciente o conteúdo material dos arquétipos a fim de agregá-lo ao seu próprio sistema. (…)
Ocorre uma fragmentação no sentido de que, para a consciência, o arquétipo primordial se decompõe num amplo grupo de arquétipos e símbolos inter-relacionados. Ou melhor, esse grupo pode ser concebido como a periferia que envolve um centro desconhecido e intangível.(NEUMANN, 1995, p. 232)
A dinâmica de fragmentação de Neumann nos ajuda a compreender a relação estabelecida entre esse arquétipo e os demais arquétipos masculinos (como dos irmãos(fratria), herói, mestre, velho sábio dentre outros). Contudo deve-se ter clareza que
“a fragmentação dos arquétipos não deve, de modo algum, ser concebido como um processo analítico consciente. (…) o surgimento de um grupo de arquétipos, cindido de um arquétipo mais volumoso, assim como do grupo correspondente de de símbolos, é a expressão do processo espontâneo que mantém intacta a atividade do inconsciente. Para o ego consciente, esses arquétipos e símbolos aparecem como produtos do inconsciente, mesmo quando, na realidade, o seu surgimento é constelado pela consciência e pela sua situação geral”(NEUMANN, 1995, 234)
As mitologias retratam a amplitude desse desse arquétipo. Um trabalho bem interessante foi realizado por Colman e Colman no livro “ O Pai – Mitologia e reinterpretação dos Arquétipos””, onde, investigando as mitologias e as representações arquetípicas paternas eles apresentam cinco categorias mitológicas que nos permitem pensar em certas categorias míticas de pai,
1- Pai Criador: Esta imagem de pai se refere a criação como o “ato criativo”. A paternidade possibilita individuo se compreenda um “ser criador”, criando assim “sua família”, seu papel social.
Paradoxalmente, o impulso masculino de criação leva para longe da família e da experiência de paternagem e até para longe da experiência de um relacionamento com a mulher. Sua capacidade compartilhada de criar a vida é facilmente desviada. O papel de pai torna-se uma metáfora de sua capacidade de criar edifícios, cidades, arte, religião e governo. Seu papel na criação de um filho é identificado com outros tipos de criatividade. (COLMAN, COLMAN, 1990, p. 30)
Esse modelo se baseia numa perspectiva de paternidade distante, similar ao deus criador masculino, alheio e onipotente, cria a realidade independente do feminino, não se envolvendo diretamente com os cuidados da criação. São exemplos míticos Deus do Antigo Testamento na mitologia judaico-cristã, Olorum na mitologia afrobrasileira, Atum na mitologia egípcia do antigo império.
2 – Pai – Terra: Apesar de parecer incomum esse a idéia de “pai-terra”, por estarmos a acostumados com o modelo “mãe-terra”/”pai-céu”. Esse modelo arquetípico de paternidade se caracteriza pelo cuidado e nutrição da prole. Mesmo, que não envolva uma relação familiar.
Essas figuras da terra não são homens de família, mas são nutridores, personagens masculinas que se ocupam do cuidado regular de coisas em crescimento. (…) Ele compartilha do arquétipo do homem da terra, ctônico, que cultiva, o verdadeiro pai-terra que não reconhecido com muita freqüência na nossa cultura, mas que, não obstante, está presente.(COLMAN, COLMAN, 1990, p. 52)
Esse modelo arquetípico compreende figuras míticas como Baco, que ensinava e ajudava os homens no cultivo e produção do vinho. Pã e os Fauno ensinaram os cuidados com natureza e com os animais. Freyr, o deus da agricultura, na mitologia nórdica.
3- Pai-Céu: Essa categoria, de pai-céu está associado as mitologia celestes cujas principais características são prover, julgar e proteger.
Um pai desses vive antes na fronteira do que no coração da família. Quando ele age como disciplinador ou como aquele que decide, sua influência depende de seus símbolos exteriores de poder e não de sua presença efetiva. Sua família define sua autoridade como originada no mundo exterior. Quando bem sucedido neste, ele é respeitado (se que bem não necessariamente amado); se fracassar fora, também fracassará na família, visto que sua potência decorre do sucesso exterior.(COLMAN, COLMAN, 1990, p. 52)
O pai-céu é como o deus-sol do mito, que traz a luz da consciência para reinos antes dominados pelas mãe. Ele pouquíssimas vezes tem consciência do grau até o qual separa mãe e filho ao oferecer uma presença alternativa em casa. Ele apenas representa o papel que um homem deve exercer, uma ez que deixou a cargo da mãe-terra as responsabilidades da criação do filho. Alguém deve ajudar a criança a deixar o ninho e encontrar sua individualidade. A partir dessa posição exterior, o pai é perfeitamente adequado à função. (COLMAN, COLMAN, 1990, p. 66)
O modelo pai-céu, revela um pai distante, que fala acima, cuja relação com os filhos passa pela lei, ordenação e disciplina. Na mitologia, esse modelo é representado por divindades celestes, poderosas que se manifestam a distância, como Zeus, Thor, Yahweh(Iavé), que no geral se apresentavam mais pelo temor do que pelo afeto e intimidade.
4 – Pai-Real : O Pai-real é o modelo arquetípico que unifica tanto as características do pai-terra e do pai-céu. O termo “Real” remente a realeza, o pai-real está associado ao “patriarca”, representante de uma dinastia, assim, onde o Pai-Real é o rei e senhor da casa.
(…) o pai real é uma entidade absoluta que contém em si todas as funções, incluindo aquelas relegadas tradicionalmente à mulher. O pai real não procura ter como parceria uma deusa terra, dotada de um forte poder feminino que lhe seja propício. Em vez disso, toma por esposa uma virgem, valorizada por ser pura e inocente. Ela ela tem pouca educação politica ou poder pessoal. Cumpre todas as suas tarefas sob os olhos atentos do pai real. Ele a protege, ao lado do resto da família e do reino. Essa proteção rouba da mulher muito de sua influência e potência femininas, da mesma maneira como elimina toda competição pelo poder em casa.(COLMAN, COLMAN, 1990, p. 78)
Assim, o Pai-Real, conduz a família, mas, não permite a participação dos demais membros – esposa e filhos.
Pai-Diatico: Esta última categoria, se caracteriza pela “díade”, isto é, pelo “par”. Ao contrario das categorias acima, é a tipo de pai que divide o seu papel com uma companheira.
A paternagem diática significa o compartilhamento de papéis-terra e papéis-céu por ambos os parceiros. Na prática, requer uma operação intercambiável do pai e da mãe. O pai vai precisar deixar de lado a imagem de si mesmo como única autoridade-céu e aceitar muitas funções-terra como responsabilidade sua; a mãe necessitará abandonar sua imagem de si mesma como a principal autoridade-terra e terá de realizar muitas funções-céu. (COLMAN, COLMAN, 1990, p. 91)
Essa categoria implica não só na divisão de papéis, mas, na interação do componente feminino. A imagem mítica associada é da Sizigia, onde há o emparelhamento do masculino e o feminino, em equilíbrio.
A categorização feita por Colman e Colman deve ser compreendida como possibilidades arquetípicas, mas, que não definem o individuo. Em momentos diferentes da vida a experiência da paternidade pode assumir diferentes aspectos. Acredito ser importante que compreendermos que essas categorias não escolhas conscientes, mas, padrões inconscientes que se manifestam em diferentes épocas da história humana ou mesmo podem se manifestar na vida do homem atual.
Ter ou Ser?
No inicio deste post, apresentei a música do Vinicius de Moraes e do Toquinho “O filho que eu quero ter”, na música expressa justamente o desejo do pai : “De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim”. Muitas vezes, o desejo de “ter o filho” oculta uma questão ainda mais crucial, que seria a reflexão acerca do que “ o pai que eu quero ser”.
Acredito que esta questão é fundamental pois, no geral, não temos clareza que a força do arquétipo reside em sua inconsciência. Isto é, quanto mais inconsciente estiver o individuo, maior será a poder do arquétipo.
Na medida em que pudermos pensar antes no “no pai que eu quero ser” poderemos recolher nossas projeções assim como nos confrontar com o nosso próprio complexo paterno. Assimilar de forma consciente a transição de filho para pai, de modo a poder fazer as escolhas, não repetindo apenas o nosso próprio passado – pessoal ou coletivo.
Essas duas dimensões(ter e ser) nos abrem a possibilidade de pensarmos um pouco mais a psicologia da paternidade. É importante frisar que não falo aqui do “papel de pai”, ou seja, não estamos nos referindo uma função social ou relacional, mas, sim a uma dinâmica que estrutura e modifica profundamente a experiência do individuo consigo mesmo. Significando uma etapa fundamental no seu processo de individuação.
Acredito que seja igualmente importante lembrarmos que todo arquétipo é composto por dois polos, no caso do arquétipo paterno são os polos PAI-FILHO. Creio ser importante, pois, somente com a integração do polo “FILHO”, poderá haver uma realização efetiva e criativa da Paternidade. Em outras palavras, isso significa dizer que é importante que individuo esteja em paz com o próprio “Ser-Filho”, para assim, poder “Ser-Pai”.
É importante observarmos que a inconsciência acerca de si mesmo, acerca de sua própria história como filho, é compensada com a projeção no filho de seus próprios desejos, isto é, por meio da projeção no filho, o pai pode tentar ter uma experiência total de si mesmo. Quando essa integração não ocorre, o filho sofre pelas expectativas e desejos do pai, uma vez que este último, não consegue conceber o filho fora de desejo de si mesmo. Outra possibilidade é a rejeição ou indiferença ao filho como uma projeção da rejeição ou indiferença desse aspecto de sua própria história.
Assim, a reflexão do “o pai que eu quero ser” expressa o encontro dos pólos “Eu-Filho” e “Eu-Pai”, confrontando-os com os seus contrapontos externos, isto é, “Meu-Pai” e “Meu-Filho”. É justamente essa totalidade da experiência que temos na experiência descrita na canção “O Filho que eu quero ter” de Vinicius e Toquinho(apresentada no post anterior), onde o filho se torna pai, cujo filho nasce cresce e se prepara para torna-se pai, fechando o ciclo do arquétipo.
Para além da lei: Revisitando a família de Édipo
De forma geral, a paternidade acabou por ser tratada de uma forma específica e delimitada na psicologia,
Nas Produções teóricas desenvolvidas ao longo desse século, onde se destacou a abordagem psicanalítica, o espaço reservado ao pai, no que tange ao processo do filho, foi e tem sido definido basicamente em duas funções: em primeiro lugar, a de interditar o vínculo com a mãe, impedindo que se prolongue indefinidamente a natureza simbiótica dessa relação dual, que visa preponderantemente a obtenção do prazer com a satisfação das necessidades do filho; e, em segundo lugar, concomitantemente com a primeira função, a de introduzir o filho no mundo da Lei, desenvolvendo com isso a linguagem, a noção de limites e o recurso de discriminação, três elementos preponderantes para sua inserção na cultura. (ALMEIDA, 2007, p.41-2)
A certamente a contribuição psicanalítica foi importante, contudo, essa concepção se relaciona diretamente com uma dada visão psicanalítica que não corresponde a totalidade das escolas da psicanálise, destacamos a concepção da teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott neste contexto. Cito Winnicott, pois, a em larga escala suas concepções dialogam com a concepção junguiana(especialmente, da escola inglesa).
Uma crítica geralmente feita à psicanálise é a de ter uma visão “patologizante” da vida psíquica. É interessante que o próprio mito de Édipo é uma expressão disso. A tragédia de Édipo é antes uma “maldição familiar” que culmina em Édipo. Para entendermos esse “complexo familiar”, talvez, seria interessante voltar duas gerações antes de Édipo, conhecendo assim o avô e o pai de Édipo.
Segundo nos conta Brandão (2005), o avô de Édipo foi o rei tebano Labdaco cujo pai, Polidoro, morreu quando ele tinha apenas um ano. Por ser muito novo, seu avô Nicteu, assumiu o trono, mas, este se matou. Deixando o trono para Lico,(tio-avô). Após assumir o trono, teve um reinado marcado pela guerra com Atenas e, em especial, foi o periodo da introdução do culto a Dionísio na Beócia, como Labdaco não permitiu o culto a Dinísio em Tebas, ele foi despedaçado pelas bacantes.
Com a morte prematura de Lábdaco, seu filho Laio, por ser ainda muito jovem, não pôde assumir as rédeas do governo e, mais uma vez, Lico tornou-se regente; mas, dessa feita, por pouco tempo, porque foi assassinado por seus sobrinhos Anfião e Zeto.
Laio, com a morte violenta do tio, fugiu precipitadamente de Tebas e buscou asilo na corte de Pélops, o amaldiçoado filho de Tântalo, (…). Laio, todavia, herdeiro não apenas do trono de Tebas, mas sobretudo de algumas mazelas de “caráter religioso” de seus antepassados, particularmente de Cadmo, que matou o Dragão de Ares, e de Lábdaco, que se opôs ao deus do êxtase e do entusiasmo, cometeu grave hamartía na corte de Pélops. Desrespeitando a sagrada hospitalidade, cujo protetor era Zeus, e ofendendo gravemente Hera, guardiã severa dos amores legítimos, raptou o jovem Crisipo, filho de seu hospedeiro (…). Este(Pélops) execrou solenemente a Laio, o que, juntamente com a cólera incontida de Hera, teria gerado a maldição dos Labdácidas. Crisipo, envergonhado, matou-se. (BRANDÂO, 2005, p.237)
Como podemos perceber, Laio cresceu sem pai, refugiado numa corte distante. O principal “pecado” de Laio foi raptar Crisipo, filho de seu anfitrião Pélops, esse crime foi um ato contra o próprio Zeus. Por esse ato, contra o filho de seu anfitrião, ele foi condenado a ser morto pelo próprio filho e, segundo a versão de Sófocles, ter sua esposa desposada pelo mesmo. Essa sentença foi dada a Laio pelo Deus Apolo, em seu oráculo de Delfos.
O nascimento de Édipo atendia a uma determinação da lei divina. O crime de Laio deveria punido. A história de édipo é mais familiar, após o nascimento Édipo foi exposto, sendo resgatado por um pastor e levado a corte de Pólibo, rei de Corinto, onde foi criado como filho do rei. Por ocasião de um roubo de cavalos do reino de Pólibo, Édipo sai em busca dos cavalos, passando pelo oráculo de Delfos, onde “em vez de receber da Pítia uma resposta à pergunta que lhe fizera, a sacerdotisa de Apolo o expulsou do templo sagrado, vaticinando-lhe algo terrível: ele estava condenado a matar o pai e unir-se à própria mãe.”(BRANDÃO, 2005, p.245).
Édipo não voltou a Corinto, fugindo do destino previsto por Apolo. No caminho entre Daulis e Delfos, ele se depara com a comitiva de Laio. Após se afrontado por Laio, que lhe era desconhecido, Édipo reage matando seu pai e os membros de sua comitiva, restando apenas um escravo. Como não iria voltar para Corinto, escolheu o caminho de Tebas, que estava sendo assolada pela Esfinge. Após, vencer a Esfinge, Édipo adquire o direito de reinar, até que a peste motiva a busca pelo culpado pela morte do antigo. Os indícios acabam por levar ao próprio Édipo, que ao descobrir sua história, frente a aos acontecimentos, Édipo fura os olhos, sai a vagar, até por encontrar a paz, em Colono, onde é recebido pela terra e, se torna herói protetor de Colono, futura Atenas.
Quando observamos a família de Édipo, notamos que em três gerações não houve uma relação estabelecida de PAI-FILHO. Outros aspectos relevantes são as mortes prematuras, ofensas os deuses, criação por estranhos. Mas, um aspecto fundamental é que todos eram representantes da lei. Sim, por serem de família real, eles eram representavam a lei para seu povo. Eles pertenciam a categoria de Pai-Céu (conforme, vimos na primeira parte de texto), essa categoria de paternidade indica justamente o distanciamento da família, um posicionamento de julgamento e proteção(nesse caso voltado ao povo).
Acredito que ser fundamental para entendermos do que nos fala o mito de Édipo, devemos nos voltar a peça,
Creonte
Vou dizer, pois, o que ouvi da boca do deus. O rei Apolo ordena, expressamente, que purifiquemos esta terra da mancha que ela mantém: que não deixemos de agravar-se até tornar-se insuperável.
Édipo
Mas, por que meios devemos realizar essa purificação? De que mancha se trata?
Creonte
Urge expulsar o culpado, ou punir, com a morte, o assassino, pois o sangue maculou a cidade.
Édipo
De que homem se refere o oráculo à morte?
Creonte
Laio, o príncipe, reinou neste país, antes que te tornasse nosso rei.
(SOFOCLES, s/d, p.23-4)
É interessante notarmos que o drama em torno do qual a narrativa de Édipo se desenrola é entorno da morte de Laio, o incesto é secundário na trama, fazendo parte da punição a Laio. Acerca dessa exigência de Apolo, podemos compreender como a forma de Édipo se encontrar consigo mesmo, com sua história, e, para tanto deveria se encontrar com seu pai.
Considerações Finais
Estes dois posts, procurei pensar a paternidade para além do modelo comum. Acredito que a vivência interior da paternidade exige atenção e escolha. Uma escolha que deve ser refeita cotidianamente. Os modelos de paternidade apresentados por Colman e Colman nos falam de dinâmicas que não envolvem a escolha consciente pela paternidade.
Muitas vezes, pensamos a paternidade sob a ótica da organização psíquica do filho. Contudo, não podemos perder de vista que a paternidade, como fase, serve ao processo de individuação do homem. E, desta forma, quando integrada servirá ao desenvolvimento pleno do filho.
Certamente, a paternidade não se restringe a “paternidade biológica”. A mitologia nos ensina bastante acerca da função paterna. Sem ignorar, a função da lei ou de ser uma terceira pessoa real que amplia e desfaz a diade mãe-filho, a mitologia grega através do centauro Quirão (ou Chiron), que acolheu vários heróis (abandonados pelos pais), nos ensina que a função paterna também é acolher, orientar e auxilar que os filhos encontrem o próprio destino.
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Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Maria Beatriz Vidigal Barbosa de. Paternidade e subjetividade masculina em transformação: crise, crescimento e individuação. Uma abordagem junguiana. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-13082007-150555/>. Acesso em: 2012-07-19.
BRANDÃO, Hortensia Maria Dantas, A LEI EM NOME DO PAI: IMPASSES NO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE NA CONTEMPORANEIDADE Salvador: UFBA, Tese de mestrado, 2005. Disponível em : http://www.pospsi.ufba.br/Hortensia_Brandao.pdf
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. vol. III. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
SÓFOCLES Rei Édipo. In: “Rei Édipo – Antígone – Prometeu acorrentado”. Prefácio, tradução e notas de J.B. Mello e Souza. 17.ed. Rio de Janeiro : Ediouro. s/d.
EVANS,R.Entrevistas com Jung e as Reações de Ernest Jones.Rio de janeiro:eldorado,1973.
COLMAN, A.D.; COLMAN, L.. O Pai: Mitologia e Reinterpretação dos Arquétipos. São Paulo: Editora Cultrix, 1990.
NEUMANN, Erich História da Origem da Consciência, São Paulo: Cultrix Editora, 1995.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes