Uma breve reflexão sobre “Qual a melhor abordagem psicológica?”

(11 de outubro de 2011)

Esta reflexão nasceu da leitura de uma frase no facebook que falava sobre uma breve conversa de Leonardo Boff com Dalai Lama, após ler a frase fui buscar na internet e encontrei este belíssimo texto, que é atribuído a Leonardo Boff, sobre esse encontro com Dalai Lama,

Leonardo Boff explica:

“No intervalo de uma mesa-redonda sobre religião e paz entre os povos, na qual ambos (eu e o Dalai Lama) participávamos, eu, maliciosamente, mas também com interesse teológico,

lhe perguntei em meu inglês capenga:

– “Santidade, qual é a melhor religião?” (Your holiness, what`s the best religion?)

Esperava que ele dissesse:

“É o budismo tibetano” ou “São as religiões orientais, muito mais antigas do que o cristianismo.”

O Dalai Lama fez uma pequena pausa, deu um sorriso, me olhou bem nos olhos – o que me desconcertou um pouco, por que eu sabia da malícia contida na pergunta – e afirmou: “A melhor religião é a que mais te aproxima de Deus, do Infinito”.É aquela que te faz melhor.”

Para sair da perplexidade diante de tão sábia resposta, voltei a perguntar:

– “O que me faz melhor?”

Respondeu ele:

-“Aquilo que te faz mais compassivo” (e aí senti a ressonância tibetana, budista, taoísta de sua resposta), aquilo que te faz mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável… Mais ético… A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião…”

Calei, maravilhado, e até os dias de hoje estou ruminando sua resposta sábia e irrefutável…

(fonte: http://www.juraemprosaeverso.com.br/TextosDeConteudoMoralII/LeonardoBoffXDalaiLama.htm)

A resposta do Dalai Lama transcende a objetividade da pergunta, e nos proporciona as mais variadas possibildiades de discutir a religião. Entretanto, não é meu interesse discutir a religião enquanto rito, simbolo e teologia. Num sentido mais amplo, como fala o poeta Khalil Gibran,

Não será a religião senão todos os actos e toda a reflexão, e tudo aquilo que não é ato nem reflexão, mas encantamento e surpresa sempre emergentes da alma, mesmo quando as mãos talham a pedra ou trabalham no tear?(GIBRAN,1975 , p76.)

Deste modo, ampliando nossa percepção, podemos transpor a resposta do Dalai Lama, para a nossa “pergunta-titulo”. Afinal, “qual a melhor abordagem psicológica?” É aquela que te faz melhor.

Sei que essa afirmação pode parecer abstrata ou vaga. Contudo, devemos pensá-la com bastante atenção, e notar alguns pontos, em primeiro lugar, devemos considerar que que as abordagens psicoterápicas se desenvolveram a partir indivíduos que utilizaram o melhor de si-mesmos no desenvolvimento de suas teorias e técnicas. A marca pessoal desses pensadores é tão forte que apesar da “nome” ou “titulo” da abordagem nos identificamos pelo nome ou pelas contribuições pessoais de cada um desses autores – JUNGuianos, FREUDianos, ROGERianos, LACANianos, WINNICOTTianos, KLIENianos, REICHianos, PIAGETianos, SKINNERianos dentre inúmeros outros.

Todos os autores que marcaram a história do saber psicológico, apostaram em si-mesmos, romperam com crenças e sistemas, seguiram o caminho que lhes era mais apropriado. Eles ousaram ser eles mesmos. Buscaram ser o melhor que podiam, suas técnicas e teorias expressam esse melhor. Suas teorias lançaram luz sobre o desconhecido que os confrontava internamente e em seus pacientes. Assim, cada teoria refletiria a perspectiva de seu autor. E, por isso, para cada um deles a própria teoria era a melhor, pois, expressava sua própria realidade psique permitindo-os a se perceberem de forma diferenciada.

E, para nós? Qual a melhor abordagem? É aquela que nos possibilita compreendermos a nossa realidade psíquica – como somos e como enxergamos o mundo – de outra forma, é aquela que é significativa ou que atribui sentido a nossa existência. E, dessa forma, nos possibilita sermos melhor.

Nisto reside um ponto crucial para os junguianos, pois, ser um bom terapeuta não é uma questão exclusiva de “técnica”, mas, passa necessariamente e prioritariamente pela pessoa do terapeuta, pela integridade pessoal do terapeuta. Vejamos algumas afirmações do Jung,

“Aquilo que não está claro para nós, porque não o queremos reconhecer em nós mesmos, nos leva a impedir que se torne consciente no paciente, naturalmente em detrimento do mesmo” (Jung, 1999, p.6)

“Muito mais forte do que suas frágeis palavras é a coisa que você é. O paciente está impregnado pelo que você é – pelo seu ser real – e presta pouca atenção ao que você diz. (…) Cada passo em frente que o paciente dá pode ser uma nova etapa para o analista. Não se pode estar com alguém sem ser influenciado por essa personalidade, mas o mais provável é que se não se perceba isso;(…)” (Jung apud McGUIRE et HULL, 1984, p. 332)

“ Todo psicoterapeuta não só tem o seu método: ele próprio é esse método. “Ars totum requirit hominem”(A arte exige o homem todo) diz um velho mestre. O grande fator de cura na psicoterapia é a personalidade do médico – esta não é dada “a priori”; conquista-se com muito esforço, mas não é um esquema doutrinário. As teorias são inevitáveis, mas não passam de meios auxiliares.” (Jung, 1999. p.85)

“(…)o psicoterapeuta está obrigado a um autoconhecimento e a uma crítica de suas convicções pessoais, filosóficas e religiosas, tanto quanto um cirurgião está obrigado a uma perfeita assepsia. O médico deve conhecer sua equação pessoal para não violentar seu paciente” (Jung, 2000., p.154)

As teorias são meios auxiliares pois, favorecem o autoconhecimento do individuo e contribui para que o mesmo possa, a partir de sua experiência, contribuir para o desenvolvimento de outros, através da prática da psicoterapia. Para Jung, o fundamental é que o profissional utilizer a técnica que seja mais adequado a sua individualidade, pois, assim a técnica auxiliará efetivamente no processo dos clientes. É importante lembrarmos do provérbio chinês que Jung citava “Se o homem correto (…) usar o meio errado, o meio errado atuará de um modo correto”. — (…) — “No entanto, se o homem errado usar o- meio correto, o meio correto atuará de modo errado”. (JUNG et WILHELM, 1988, p132). O fundamental é o individuo, não a teoria ou a técnica. As abordagens são meios que serão eficazes se forem pelo individuo correto.

É nesse contexto que no Post “Algumas Reflexões sobre “Como começar a estudar a psicologia de Jung?” que Carlos Alberto, leitor do blog, fez seu comentário,

Oi Fabrício! Gostei da postura…Acredito que o começo do aprofundamento da discussão está em nos perguntarmos porque nos consideramos psicólogos de orientação junguiana ou analíticos.enfim…

Neste sentido, ao refletirmos sobre teorias, junguiana ou não, estamos nos inteirando das concepções lógicas que determinados autores, com suas vivências particulares e estudos aprofundados sobre outros autores, interpretam e atualizam um conhecimento. Me parece que então a escolha de determinada leitura e pesquisa está mais voltada para a “nossa” necessidade de se ver expressado em “nossa” maneira de interpretar o mundo. (Grifo meu, para ver comentário inteiro clique aqui)

Continuando, assim, a discussão proposta por Carlos Alberto, na minha concepção, se considerar junguiano passaria numa consideração profunda acerca do processo de individuação. Isto é, um exercicio continuo de conquista de si-mesmo, de integridade, honestidade interior e se permitir o assombro e o fascínio frente todo potencial da vida que se manifesta das mais distintas formas. Como terapeuta, isso implica em ver a vida pulsando em cada cliente, é acreditar no potencial que há em cada individuo. Mas, essa é a via junguiana.

Quando questionamos “qual a melhor abordagem psicológica?” devemos perguntar “qual a melhor abordagem psicológica para mim?” Isso porque, todas as abordagens que se consolidaram pela história e pela prática da psicoterapia são igualmente válidas. Sua eficacia depende do terapeuta que se vale dela. Por isso, é importante conhecermos os diferentes sistemas terapêuticos e sentir qual ecoa mais profundamente em minha alma.

É perceber em qual sistema eu posso me realizar, em que posso ser uma pessoa melhor, uma pessoa integra, para assim, ser um terapeuta melhor.

Referências Bibliográficas

JUNG, C.G. A PRÁTICA DA PSICOTERAPIA, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1999.

__________. Civilização Em Transição. Petrópolis: Vozes, 2 ed. 2000.

McGUIRE, W.; HULL, R.F.C, C.G.JUNG: ENTREVISTAS E ENCONTROS, Cultrix: São Paulo, 1984

JUNG, C.G. – WILHELM, R. – O SEGREDO DA FLOR DE OURO. Um livro de vida chinês, Petrópolis, Editora Vozes, 1988

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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