Jung, Nazismo e Anti-semitismo: Distorções do Vídeo de Dunker

Recentemente o psicanalista lacaniano Christian Dunker, que é professor da USP, youtuber e autor de vários livros, lançou em seu canal do “Falando Nisso”um video(https://www.youtube.com/watch?v=17SRTF3pE70) onde retorna às antigas acusações à Jung sobre ele ser simpático ou adepto do Nazismo e/ou dele ser anti-semita, gerando indignação e reações em todo movimento junguiano, que deu origem a um manifesto presente nas redes.

Dunker reascendeu uma discussão vazia que já foi mais que debatida ao longo das décadas e com ampla documentação que refutam a relação de Jung com nazismo e anti-semitismo. Para piorar, ele se baseou dois autores fora do eixo de estudos sobre o tema: Richard Noll e Elisabeth Roudinesco . O primeiro é amplamente reconhecido como um detrator de Jung e rechaçado pela falta fundamentação de suas críticas que acusava Jung de querer criar um “movimento carismático” ou um culto em torno de si. A segunda autora que é uma renomada estudiosa da psicanálise lacaniana, sem nenhuma produção específica acerca da psicologia analítica.

A escolha dos autores e o modo como Dunker utiliza as informações (de modo quase oracular) causam profunda estranheza, pois como Dunker sendo professor, pesquisador e orientador de pós-graduação na USP pode ser tão displicente ao utilizar autores marginais à uma temática séria. Acredito que ele não aceitaria que seus alunos utilizassem dessa superficialidade para discutir temas deste modo. Pode-se dizer “ah! mas é um video no youtube!” Contudo, a relevância no cenário acadêmico e psicológico/psicanalítico de Dunker, exige que o mesmo seja no mínimo responsável com suar afirmações. Dizer “não sou especialista em Jung” não servem de defesa nem justificativa, afinal, um profissional com a reputação com a de Dunker, o mínimo esperado seria com buscar um especialista para dialogar ou contribuir com esse debate ou mesmo buscar autores reconhecidos.

Christian Dunker (@Chrisdunker) / Twitter

Infelizmente, esse tipo de disseminação informações equivocadas sobre Jung e o pensamento junguiano não é incomum, desde a graduação sempre ouvi erros e ataques como o de Dunker totalmente infundados, sem conhecimento e cheios de arrogância de psicanalistas que não estudaram nada de Jung e do pensamento junguiano e se autorizavam comentar sobre a psicologia analítica. Nesse evento, Dunker personificou uma postura psicanalítica que ecoa desde dos dias do “Comitê” formado por Freud para defender a “ortodoxia” e atacar seus dissidentes – com intolerância, impossibilidade de colaboração e dialogo. Onde mesmo sem conhecimento assume a postura de acusar/julgar a Jung(a capa do vídeo é claramente uma sentença, visto identificar Jung com a estética nazista). É lamentável essa postura.

Gostaria apenas de pontuar alguns aspectos:

– A insistência em considerar Jung como “discípulo de Freud” – que diz que é “pensar junto” considerando os pensadores que Freud afastou é no mínimo estranha, Acredito que Dunker não utiliza uma visão coerente com a história da psicanálise. Caso o leitor tenha interesse, vale a pena visitar um antigo texto nosso: Discípulo e Dissidente: Repensando algumas distorções de 2013.

– É muito curioso que no video citado, Dunker começa desqualificando um biografo de Freud (Crews) por atacar Freud por situações não comprovadas, mas mesmo assim utiliza um “biografo” Noll que faz o mesmo com Jung. Uma curiosa incoerência.

– Ele lê a afirmação no dicionário da Roudinesco que Jung aceitou a presidência da Sociedade Médica Geral para a Psicoterapia. Vale lembrar que Jung era vice-presidente da mesma sociedade, que foi solicitado por Kretschmer (médico judeu) que com ascensão de Hitler, que Jung o sucedesse – visto que não era judeu nem estaria sobre a pressão de Hitler por ser suiço.

– A divisão do inconsciente judaico e inconsciente ariano. O texto de 1934, que como Dunker optou em se prender ao “resumo da Roudinesco”, acredito ser melhor citar os dois parágrafos que são citados como cerne da fala de Jung

É óbvio que isto não deve transformar-se em autotapeação ingênua; ao contrário, nenhum psicoterapeuta deveria perder a oportunidade de examinar-se criticamente à luz dessas psicologias negativas. Freud e Adler viram claramente a sombra que acompanha a todos. Os judeus têm esta peculiaridade em comum com as mulheres; na condição de mais fracos fisicamente, precisam aproveitar as falhas no armamento do inimigo e devido a esta técnica, que lhes foi imposta durante séculos na história, os judeus estão melhor protegidos lá onde os outros se sentem mais vulneráveis. Por causa de sua cultura que é ao menos duas vezes mais antiga do que a nossa, têm maior consciência das fraquezas humanas e de seus lados sombrios do que nós e, por isso, são bem menos vulneráveis neste sentido. Graças também à sua cultura antiga, conseguem viver, com plena consciência, em boa, paciente e amigável harmonia com suas qualidades menos boas, ao passo que nós ainda somos muito jovens para não termos “ilusões” sobre nós mesmos. Além disso, fomos encarregados pelo destino de criar uma cultura (temos necessidade dela) e para isso são indispensáveis as chamadas ilusões na forma de ideais unilaterais, convicções, planos etc. A exemplo do chinês culto, o judeu enquanto membro de uma raça com cultura de aproximadamente três mil anos tem um campo de consciência psicológica bem maior do que o nosso. Por isso também é menos perigoso para o judeu em geral avaliar negativamente seu inconsciente. O inconsciente ariano, porém, encerra forças de expansão e germes criativos de um futuro a realizar-se e que não podemos desprezar como romantismo infantil sem risco psíquico. Os povos germânicos ainda jovens estão em perfeitas condições de criar novas formas de cultura e este futuro ainda jaz no escuro do inconsciente de cada indivíduo como germe carregado de energia, capaz de transformar-se em chama vigorosa. O judeu como nômade relativo jamais criou uma forma própria de cultura e, ao que tudo indica, jamais vai criá-la, uma vez que todos os seus instintos e aptidões pressupõem uma nação mais ou menos civilizada e capaz de albergá-la em seu desenvolvimento.
[354] A meu ver, a raça judaica como um todo possui um inconsciente que pode ser comparado ao do ariano só com reservas. Com exceção de alguns indivíduos criativos, o judeu médio já é muito consciente e diferenciado para suportar a gravidez das tensões de um futuro por nascer. O inconsciente ariano tem maior potencial do que o judaico; esta é a vantagem e desvantagem
de uma juventude ainda não totalmente desligada do barbarismo. Acho que foi grave erro da psicologia médica até agora ter aplicado indiscriminadamente a cristãos germânicos e eslavos categorias judaicas que nem se aplicam a todos os judeus. Com isso, o mais precioso segredo do homem alemão, ou seja, sua profundeza de alma criativa e intuitiva foi desprezada como brejo infantil e banal, enquanto meus alertas tiveram a suspeição, durante décadas, de antissemitismo. Esta suspeita partiu de Freud. Ele não conhecia a alma germânica, assim como seus seguidores alemães também não a conheceram. Será que ela ensinou algo melhor ao violento surgimento do nacional-socialismo sobre o qual o mundo todo voltava seus olhos arregalados? Onde estavam a tensão e o ímpeto inauditos quando ainda não existia o nacional-socialismo? Jaziam escondidos na psique germânica, naquele solo profundo que é bem outra coisa do que o monturo de dejetos infantis não realizáveis e de ressentimentos familiares não resolvidos. Um movimento que afeta um povo inteiro também amadureceu em cada indivíduo. Por isso afirmo que o inconsciente germânico encerra tensões e possibilidades que a psicologia médica precisa considerar em sua avaliação do inconsciente. Ela não lida com neuroses mas com pessoas. E este é exatamente o belo privilégio da psicologia médica: poder e dever tratar o homem todo e não apenas funções artificialmente separadas[2]. Por isso seu campo deve ser bem vasto a fim de serem revelados aos olhos do médico não apenas as aberrações patológicas de um desenvolvimento psíquico anormal mas também as forças construtivas da psique que criam o futuro, e não apenas uma parte nebulosa mas o todo – que é o mais importante. (JUNG, 1999, p. 156-8)

Podemos ver que Dunker ao se restringir a uma leitura de Roudinesco perde totalmente a referência do contexto. É assustador ele fazer uma “interpretação” de um texto da Roudinesco como se fosse do Jung. Parece ser amador demais para ele.

Contudo, não podemos ignorar o quanto a noção de psicologia racial – seja ela judaica ou ariana – foi superficial e eivada estereótipos. A críticas não foram apenas externas, junguianos importantes criticaram Jung como Neumann que em carta afirmou:

(…) os tristes remanescentes judeus que abriram caminho até você são os que permanecem, os mais diaspóricos, assimilados e nacionalizados, individuais e retardatários, mas de onde, caro Dr. Jung, você conhece a raça judaica, o povo judeu? Talvez seu erro de julgamento seja condicionado (em parte) pela ignorância geral das coisas judaicas e a aversão secreta e medieval a elas que assim leva a saber tudo sobre a Índia de 2000 anos atrás e nada sobre o hassidismo de 150 anos atrás? Além disso, não há resquícios de um mal-entendido em uma frase como: “O inconsciente ariano tem um potencial maior do que o judeu (um)” o que permite a uma raça primitiva afirmar que eles são os que são?” Tanto o movimento hassidista quanto o do sionismo demonstram a vivacidade inesgotável do povo judeu, pois só um interesse deficiente pode ignorar a afronta de um fenômeno como, por exemplo, o renascimento da língua hebraica que estava morta por 2.000 anos e o assentamento na Palestina (…) (JUNG, NEUMANN, 2015. p 13 – grifo nosso)

Neumann e outros junguianos contemporâneos de Jung não fecharam os olhos para seus erros, não obstante às criticas, por conhecerem Jung e saberem que não era anti-semita Neumann juntamente com James Kirsch, ambos judeus, foram os principais defensores de Jung junto a comunidade judaica. É evidente a infelicidade e o erro das afirmações de Jung, especialmente um período de intolerância e num estado de exceção (que ganhava força em toda Europa, não apenas na Alemanha) , em essa distinção de psique étnica ou de nação serviria ao propósito de poder como do Hitler.

Dunker ironiza a noção de psique étnica ou das nações de Jung, que sim era equivocada, pois, nesse inicio de trabalho na pesquisa dos processos coletivos e apoiado em estereótipos e referencias míticas. Contudo, ao tripudiar de Jung, ele ataca aspectos importantes como as particularidades de cada grupo em sua constituição socio-histórica e como isso afeta os individuos – como ele cita uma ironizando a ideia de uma “psique preta” ou uma psicologia preta.

Atualmente, os junguianos utilizam os conceitos de inconsciente cultural/complexos culturais, para que compreendem a inter-relação entre a história coletiva, que integra a identidade consciente/inconsciente de um grupo seja ele étnico e social, chegando aos individuos que fazem parte do mesmo. Muitas vezes essa história coletiva é de dor e sofrimento vivida ao longo de gerações – por exemplo, 300 anos de escravidão, seguindo por décadas racismo estrutrural, na ausência de oportunidades e de politicas públicas, afetam os negros e negras ora gerando o sofrimentos(vivido socialmente e internamente), ora gerando movimentos de resistência e luta. Não podemos atender um negro/negra sem levar em conta as marcas do racismo de nossa sociedade.

Do mesmo modo, é necessário compreender o machismo estrutural e a violência de gênero que atravessam nossa cultura para compreender a vivências/dores/sentimentos das mulheres e pessoas lgbtqia+. O que ressaltamos é há uma história coletiva que nos atravessa e nos constitui para uns marcada por lutas e sofrimentos outros privilégios e “poder”.

Retornando ao video, Dunker cita uma entrevista radiofônica de 1933, que a tradução em português (assim como em inglês) não dão o teor elogioso a Hitler – Samuels (1995) comenta que a analise do texto em alemão Jung usa termos soam elogiosos à liderança de Hitler, ou ao regime em ascensão ao público alemão. São nesses termos que, como Dunker comenta que Jung confessa que “escorregou”. Sim, Jung escorregou nas palavras escritas e pronunciadas, mas isso o torna “nazista”!? Jung se identificou ou foi contagiado (mesmo que momentaneamente) com o espirito da época que invadia a Alemanha contudo, as “escorregadas” não tornaram Jung nazista, ele não se afiliou nem fez propagandas ao regime.

Deste modo, é irresponsável e equivocado dizer que Jung era simpatizante do nazismo frente as críticas e posturas que ele teve – como podemos ver em Bair (2006) – era crítico de regimes que massificavam (tanto o nazismo quanto o comunismo) e ao fato de que durante a II Guerra Jung foi informante dos Aliados. Dunker propõe a questão sobre se a vida pode ser misturar a obra – associando essas “escorregadas” como fundamentação ao anti-semitismo e ao nazismos, contudo, o que dizer quando os membros importantes do circulo intimo de Jung eram judeus? Podemos citar James Kirsch, Erich Neumann, Gerhard Adler, Jolande Jacobi e Aniela Jaffé. Que desde os anos 30 – período que aconteceram as falas – já conviviam e continuaram conviver com Jung (e defendendo-o dessas acusações mesmo depois de sua morte).

Nosso objetivo não é “passar pano”. Muito pelo contrário, em vários textos de nosso site apontamos que Jung possuía contradições, preconceitos, era machista como notamos em vários textos e relatos. Contudo, as ilações de ser “nazista” ou simpatizante do nazismo ou de anti-semitismo não se sustentam.

A literatura junguiana acerca dessas acusações é vasta. Neste texto, faço apenas uma contribuição para refletirmos acerca desse triste e lamentável episódio que foi o video de Dunker.

Referências Bibliográficas

BAIR, Deirdre, JUNG – Uma biografia (V.1 e 2); São Paulo: Ed. Globo, 2006.

JUNG, C. G Civilização em Transição, Petropolis: Vozes, 1999.

JUNG, C.G.; NEUMANN, E. Analytical Psychology in Exile: The correspondence of C.G. Jung and Erich Neumann, Princeton : Princeton University Press, 2015.

Samuels, A. A psique política. Rio de Janeiro: Imago. 1995.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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Jung e a Medicina Chinesa (p.2): A perspectiva energética

No post anterior fizemos uma introdução à um possível dialogo entre o pensamento junguiano e a medicina chinesa. Estamos trilhando um caminho de construção de percepção de psicossomática junguiana associada à medicina chinesa. Neste post, eu gostaria de abordar um aspecto funcional importante tanto da psicologia analítica quanto da medicina chinesa que envolve a dinâmica dos processos vitais – no caso da psicologia analítica a energia psiquica e da medicina chinesa com teoria do Yin e Yang e a noção de Qi. No próximo texto pensaremos outro aspecto importante que é a teoria dos 5 movimentos (Wu Xing).

Um ponto de vista energético

O Conceito de Energia Psíquica ou de libido encontra-se na base das abordagens psicodinâmicas em psicologia. A noção de “energia psíquica” tem inicio com Freud, surgindo como uma proposta para explicar os processos de investimentos nos objetos, contudo essa energia possuía um caráter predominantemente sexual (ou associado a sexualidade). Esse determinismo foi um dos pontos fundamentais para a ruptura do Jung com o Freud. Desde 1912 Jung apontava a necessidade de compreender a libido sob um ponto de vista energético, passível de várias transformações/manifestações.

Contudo, somente em 1928 Jung deu um aspecto organizado em sua teoria da libido com o texto “A Energia Psíquica” – texto este destacar dois aspectos fundamentais: a dinâmica da energia e a função dos símbolos.

Jung considerava a psique como um sistema relativamente fechado, para explicar a dinâmica ou movimento da energia ele utilizou aproximou de conceitos/princípios da termodinâmica como o princípios da conservação da energia, de equivalência e constância, O princípio de equivalência indica

“que, para qualquer quantidade de energia utilizada em um ponto qualquer, para se produzir uma determinada condição, surge em outro ponto igual quantidade dessa mesma ou de outra forma de energia”. O princípio da constância, pelo contrário, indica “que a energia total permanece sempre igual a si mesma, sendo, por conseguinte, incapaz de aumentar ou de diminuir”(JUNG, 1999, p17)

Por outro lado, apontava o princípio de entropia onde as variações e transformações da energia atingiram um equilíbrio dinâmico. No modelo teórico, Jung se referia aos processos psíquicos conscientes e inconscientes. É importante notar, que Jung se referia a energia psíquica, mas não a restringia exclusivamente ao processo psíquico, devemos lembrar que no início de suas pesquisas com associações de palavras Jung observou que havia mudanças somáticas imediatas frente às palavras estímulo, deste modo, se estende a relação corpo e psique, visto que os aspectos não simbolizados (isto é, não acessíveis à consciência) tendem a ser expressados somaticamente.

Jung compreendeu que os símbolos eram extremamente importantes para compreender a dinâmica da psique, pois os símbolos seriam a própria energia psíquica manifesta como representação na consciência. Assim, símbolos como um “análogo” da energia seriam “transformadores de energia” por possibilitarem que a energia transitasse e assumisse novas formas e manifestações. Os símbolos poderiam ser imagens, gestos, sensações, atos rituais etc.

Os processos simbólicos integram realidades aparentemente distintas como consciente-inconsciente; corpo-psique, individuo-coletivo, organismo-ambiente. Os símbolos seriam melhores aproximações possíveis à realidade que é intangível, nesse sentido, os símbolos se expressam em metáforas, em analogias que canalizam a libido.

Em tudo o que acontece no mundo, vejo o jogo dos opostos e dessa concepção derivo minha idéia de energia psíquica. Acho que a energia psíquica envolve o jogo dos opostos de modo semelhante como a energia física envolve uma diferença de potencial, isto é, a existência de opostos como calor-frio, alto-baixo etc. Freud começou por considerar como única força propulsora psíquica a sexualidade e, somente após minha ruptura com ele, levou também outros fatores em consideração. Eu, porém, reuni os diversos impulsos ou forças psíquicas — todos constituídos mais ou menos ad hoc — sob o conceito de energia fim de eliminar a arbitrariedade quase inevitável de uma psicologia que lida exclusivamente com a força. Portanto, já não falo de forças ou de impulsos individuais, mas de “intensidades de valores” (Jung, 1989, 327)

A concepção energética de Jung não era de uma rigidez baseada na concepção da física, como vemos, é baseada numa compreensão dos processos psíquicos como correlacionados à visão de mundo e da natureza. Essa noção dialoga bem aproximada das noções de yin e yang e do Qi.

Castles in the Air: Yin-Yang Animation

A Teoria do Yin e do Yang

Dos conceitos chineses talvez nenhum seja tão conhecido ao ocidente quanto os de Yin e o Yang.

A noção de Yin e Yang derivam da observação da natureza, dos ciclos e transição. Um exemplo comum é a observação de uma montanha, que pela manhã um lado é lado iluminado e outro sombreado, e a tarde. Do mesmo modo, a transição das estações, ciclo diurno.

A partir de um significado primário, a vertente da sombra, o lado sombreado da montanha e a vertente ensolarada, o lado ensolarado da montanha, yin e yang foram usados para se referir ao frio que reina na sombra e ao calor que faz quando há sol; depois para os princípios do calor e do aqueci mento, do frio e do esfriamento, observáveis no decorrer das estações, para finalmente representar o duplo aspecto do sopro (qi) indissociavelmente presente em todo fenômeno nos seus aspectos opostos e complementares. O yin é então o princípio da sombra, do frio, da feminilidade, que convida à retirada, ao repouso, até mesmo à passividade; e o yang, o princípio da luz, do calor, da masculinidade, que convida à expansão das energias, à atividade, até mesmo à agressividade. A serenidade tranquila mantém a vida na harmoniosa composição de ambos; a imobilidade, inerte e rígida. anuncia a morte; a agitação febril leva à morte. (VALLEE, 2019.p14)

Não existe Yin sem Yang. ambos são polaridades que se criam e se sustentam mutuamente. constituem elementos que se definem e possibilitam a realidade. Com frequência vemos expressos apenas em fenômenos naturais como:

YinYang
NegativoPositivo
TerraCéu
PassivoAtivo
LuaSol
IntuiçãoLógica
FrioCalor
ConcentraçãoExpansão
FemininoMasculino

Essas manifestações exprimem a predominância ou Yin ou Yang, que qualificam e sustentam os fenômenos. O Yin é que se manifesta na densidade o Yang se manifesta no sutil – por isso um tende a configuração (ou forma) o outro ao movimento (função). Essas categorias quanto quando aplicadas aos processos de saúde e doença ficam mais claros de se perceber.

YINYANG
SinaisSintomas
Doença crônicadoença aguda
início gradualinicio rápido
evolução lenta do quadroevolução rápida do quadro
FrioCalor
apatia, sonolência,agitação, insônia
face pálidarubor facial
deita-se encolhidodeita-se esticado
voz fraca – falar poucovoz alta – falar muito
respiração lenta e superficialDispnéia
ausência de sedeSede
urina profusa e claraurina escassa e escura
DiarreiaConstipação
língua pálida – saburra brancalíngua vermelha – saburra amarela
pulso vaziopulso cheio
InternoExterno
FrenteCostas

A relação entre o Yin e o Yang se dá num processo de oposição, interdependência e transformação. Auteroche demonstra bem essa relação do Yin e Yang, dizendo

(…) A este respeito, o Su Wen diz: “o Yin está no interior, é o sustentador do Yang, o Yang está no exterior, é o enviado do Yin”.

Esta frase, chave da relação de interdependência entre o Yin e o Yang, tem o seguinte significado: “O Yin determina a matéria, portanto, a substância do corpo humano, o que está no interior. O Yang é a função, o que se manifesta exteriormente. O Yin é a base material da capacidade de funcionar, é a esse título que é o sustentador do Yang. O Yang é a manifestação, no exterior, do movimento da matéria interna, de onde pode ser chamado o enviado do Yin. (AUTEROCHE et NAVAILH, 1992, p.15)

O equilíbrio entre Yin e o Yang possibilita a saúde, mas não deve ser pensada apenas no âmbito “interno” do corpo e dos órgãos. Esse equilíbrio deve ser compreendido ampla e sistemicamente que integra todas áreas de nossa vida, envolvendo desde nossa postura corporal, atitude, comportamentos, hábitos, alimentação, lazer, descanso/sono, relacionamentos interpessoais.

O Qi

O conceito de Qi, que também é grafado como Chi ou Ki, pode ser traduzido sopro, energia vital, força vital, energia universal dentre outros. O Qi é a substância que atravessa tudo que existe, é essencialmente neutro. Pode estar associado ao Yin ou ao Yang, que vai ser qualificado por essa relação.

O Qi está presente em toda experiência, em todas as funções da vida. Em nosso organismo o Qi assume funções diferentes como movimento, regulação da temperatura corporal, proteção, atividade de controle ( suor, sangue, etc), transformação. Cada órgão exercerá suas funções de acordo com o Qi – os estados patológicos seriam a deficiência, a estagnação ou o excesso.

O Qi e o Yin e o Yang são grandezas que sempre estão conectadas, fundamentais para manutenção de toda forma de vida.

Paralelos

Através do conceito de energia psíquica, Jung compreendia a dinâmica da vida. Devemos lembrar que o texto da “Energia Psíquica” foi concebido antes dos desenvolvimentos na teoria junguiana que envolveu o conceito de sincronicidade – que não só fala de eventos acausais, mas também de uma realidade integrada, una ( o “unus mundus” dos alquimistas). Essa compreensão aproxima a visão de realidade integrada no pensamento chinês.

A noção de energia/libido assim como de Yin/Yang/Qi são categorias que nos possibilitam pensar os processos de homeostase, saúde e doença. Os processos de transformação da energia – entre a consciência e inconsciente, psique e corpo, individuo e coletivo. Pois, quando consideramos em lato sensu, é a mesma energia que sustenta o corpo e a psique. Os simbolos atuam tanto no corpo quanto na psique como Jung apontou na constelação dos complexos e como vemos nos fenômenos hipnóticos e nas curas magico-religiosas.

O movimento/fluxo equilibrado e transformação da energia são necessários para a vida. No trabalho com sonhos, na imaginação ativa, no trabalho imagens/símbolos no sandplay, na sugestão de atividades/tarefas de casa há a mobilização e transformação da energia. Os chineses mobilizavam a energia principalmente pelo Qi Gong e Acupuntura – mas também pelas práticas terapêuticas de Tui-na, dietoterapia e fitoterapia.

No próximo post pretendo abordar um pouco da teoria do Wu Xing (cinco movimentos) pensando associando com a teoria dos Zang Fu (orgãos e vísceras) correlacionando com as emoções seguino no caminho que estamos traçando em direção a uma possibilidade de pensar a psicossomática junguiana associada aos conhecimentos da medicina chinesa.


Referencias Bibliográficas

AUTEROCHE B;  NAVAILH P: O Diagnóstico na Medicina Chinesa. São Paulo: Organização Andrei Editora, 1992.

JUNG, C.G. A Energia Psiquica, Petropolis:Vozes, 1999.

JUNG, C.G. Freud e a Psicanálise, Petropolis:Vozes, 1989.

VALLEE, E. R. de La, Os 101 Conceitos-Chave da Medicina Chinesa, São Paulo, SP: Ed. Inserir, 2019.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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Jung e a Medicina chinesa (p.1): Uma aproximação

A relação psicologia analítica e com os diferentes modos de pensar (ciência, filosofia e religião) foi um fundamental para que meu interesse na psicologia analítica. Desde muito jovem, sempre me interessei pelo pensamento oriental, buscando compreende-lo a partir as poucas fontes acessíveis que tinha à época (danos 90) – revistas e livros. Na graduação em psicologia, na disciplina que em que comecei a estudar Jung – no ano 2000 – meu trabalho para disciplina “Personalidade III” foi associar ou discutir as figuras do Budha e do Sábio (no taoísmo) a partir da noção de individuação em Jung – algo extremamente pretencioso .

Recentemente, em 2020 a relação com o pensamento oriental e a psicologia analítica ganharam novos contornos para mim. Buscando aprofundar os estudos em psicossomática iniciei uma especialização de Acupuntura Clássica Chinesa. A partir dessa experiência prática com a acupuntura/medicina chinesa e desses mais de 20 anos estudando a psicologia parto as reflexões desse post e dos que virão.

Jung e o Oriente

Ao longo de toda vida Jung manteve uma relação intressante com o Oriente. Em suas Memórias(JUNG,2000 p.30) relatou o quanto, ainda criança, ficou impactado com das imagens do Orbis Pictus, livro que retratava imagens de religiões exóticas, espcialmente da India. A relação de Jung com o oriente não era de pesquisador “autodidata”, pelo contário, ele tinha como amigos e correspondentes importantes estudiosos como sinólogo Richard Wilhelm, indólogo Heinrich Zimmer, o historiador das religiões Mircea Eliade, D.T. Suzuki grande especialista em Zen Budismo, Jakob  Hauer, indólogo dentre outros.

Essa relação com o pensamento oriental é bem retratada e representada em sua obra com prefácios/comentários à livros importantes como o I Ching, Introdução ao Zen Buddhismo, Bardo Thodol (equivocadamente chamado de “Livro Tibetano dos Mortos”), O Segredo da Flor de Ouro e o “The Psychology of Kundalini Yoga”- que não faz parte das Obras Completas, e ainda sem tradução para o português, foram seminários dados por Jung em 1932.

Jung não se relacionava apenas com intelectualmente com oriente. Ele próprio relatou em suas Memórias que após a ruptura com Freud ele passou por um período de instabilidade interior – iniciando o período que ficou conhecido como “Confronto com o inconsciente” , período entre 1914-1918.

” Sentia-me muitas vezes de tal forma agitado que recorri a exercícios de ioga para desligar-me das emoções. Mas como o meu intuito era fazer a experiência do que se passava em mim, só me entregava a tais exercícios para recobrar a calma, a fim de retomar o trabalho com o inconsciente. Quando readquiria o sentimento de mim mesmo, abandonava o controle e cedia a palavra às imagens e vozes interiores. Os hindus, pelo contrário, utilizam a ioga com a finalidade de eliminar completamente a multiplicidade das imagens e dos conteúdos psíquicos.” JUNG, 1987, p.157-8)

As práticas corporais como yoga tem efeito de regulação emocional importante e são um dos pilares dos sistemas terapêuticos orientais. Não se sabe qual sistema de yoga Jung estudou ou praticava. Ao se referir as práticas chinesas tanto corporais e qunato meditativas Jung utilizava o termo de “ioga chinesa” – a que acreditamos se ele se referia ao Qi Gong (Qi Kung). O fato que gostaríamos de chamar a atenção é que Jung teve um contato com o pensamento taoísta sobretudo voltado à filosofia e a noção religiosa. Um dado importante é considerar que Jung não teve experiência com a complexidade dos sistemas médicos orientais – como a medicina ayurveda ou da medicina chinesa.

O questionamento que nos norteia é :

E se Jung tivesse conhecido a medicina chinesa?

A Medicina Chinesa

A medicina chinesa se refere a um conjunto de práticas de cuidado e tratamentos que teve origem há cerca de 5 mil anos na China. Atualmente a medicina chinesa é dividida em dois períodos: clássica e tradicional.

A medicina chinesa clássica compreende o período que abarca as raízes ancestrais até 1949, com a da fundação da Republica Popular da China. Medicina chinesa “clássica” representava um amplo conjuntos de praticas não sistematizadas (que variavam de acordo com a família e a região) que mesclava práticas médicas, com crenças mágicas, práticas religiosas e xamânicas. Com revolução comunista teve inicio uma “revisão” das práticas médicas chinesas separando as práticas religiosas(rituais, exorcismos, práticas divinatórias etc) e aproximando da medicina ocidental que foi oficializada em 1958 por Mao Tsé-Tung com o nome Medicina Tradicional Chinesa (CONTATORE, TESSER e BARROS, 2018).

O processo de revisão e hibridização da medicina chinesa com a ocidental não foi sem problemas, com a Revolução Cultural que teve inicio em 1966, muitos livros clássicos de famílias foram queimados, muitos mestres humilhados e mortos, conhecimentos milenares de famílias foram perdidos. Deste modo, não se têm mais a medicina clássica chinesa em sentido amplo, o que temos hoje é a Medicina Tradicional Chinesa, naturalmente algumas estratégias clássicas de tratamento foram salvas do expurgo da Revolução Cultural em ainda presentes em algumas escolas de acupuntura, de práticas corporais/meditativas que se alinham com o pensamento contemporâneo. A Medicina Tradicional Chinesa é frequentemente objeto de estudos visando estabelecer “explicações” para a eficácia destes métodos e técnicas milenares – em muitos casos a eficácia não encontra explicação na ciência ocidental.

A medicina chinesa possui cinco pilares fundamentais:

  • Exercícios Terapêuticos ( Qigong, Tai Chi Chuan)
  • Tui Ná (massagem)
  • Dietoterapia
  • Fitoterapia
  • Acupuntura

As bases conceituais da Medicina Tradicional Chinesa encontram-se especialmente no pensamento taoísta com a teoria dos Yin e Yang, Cinco movimentos. Comentaremos em outros posts as relações com a psicologia analítica.

Medicina Tradicional Chinesa :: Sabedoria Política

Aproximações

A psicologia analítica e a Medicina Chinesa pertencem a dois universos culturais distintos. Contudo, existem pontos fundamentais que permitem pensarmos a aproximação entre esses dois universos. Acredito, A visão do mundo Jung dialoga bem com a medicina chinesa. Jung apresentava com cautela a noção de unus mundus – (mundo uno) – uma compreensão integrada e sistêmica onde tudo está em continua interrelação.

Com a aceitação de uma identidade do psíquico e do físico, aproximamo-nos da concepção do unus mundus (mundo uno) dos alquimistas, aquele mundo potencial do primeiro dia da criação, quando ainda nada existia de separado. (…) Sem dúvida alguma, a ideia do unus mundus se baseia na suposição de que a multiplicidade do mundo empírico repousa no fundamento da unidade dele, e de que dois ou mais mundos separados, por princípio, não podem coexistir nem estar misturados entre si. Conforme essa opinião, tudo o que há de separado ou diferente pertence a um e mesmo mundo, que entretanto não cai sob os sentidos, mas representa um postulado, cuja probabilidade é corroborada pelo fato que até agora ainda não se conseguiu algum outro mundo, no qual fossem invalidadas as leis naturais conhecidas por nós. Que também o mundo psíquico, tão extraordinariamente diferente do físico, não esteja fundamentado fora do cosmo, se deduz do fato inegável que entre a alma e o corpo há um relacionamento causal, que aponta para uma natureza fundamentalmente uniforme da parte deles. (JUNG, 2012, p.363-4)

Distinguishing Synchronicity from Parapsychological Phenomena

A noção de mundo uno, de realidade integrada, teve inspiração na alquimia mas ganhou relevancia nos estudos sobre a sincronicidade em parceria com W. Pauli. Para a medicina chinesa Elisabeth Rochat de La Vallée afirma que “O cosmos é concebido como um todo em autoprodução permanente e em autorregulação perfeita, mesmo que se produzam irregularidades naturais ou perturbações devido a interferência humana”. (VALLÉE, 2019, xi). A integração com a natureza é percebida pela compreensão do corpo que é compreendido a partir dos movimentos do cosmos.

Outro aspecto que podemos considerar, é a visão de homem. Não há uma algo que podemos chamar “psicologia chinesa” constituida nos livros clássicos, isto porque os não há uma separação entre corpo e psique como nos habituamos no ocidente. Os chineses compreendiam que a mente e as emoções eram instrinsecas ao corpo, como aspectos qualitativos e energéticos dos órgãos do corpo. As emoções seriam um aspecto qualitavo da energia de cada orgão (associada à caracteristica de cada movimento/elemento correspondente ao orgão). De forma que todo dos processos da vida são psicossomáticos. O individuo é compreendido em sua integridade.

Jung compartilhava a mesma visão integrada de corpo e psique, contudo como seu enfoque eram os processos psiquicos, o corpo ou componentes psicossomáticos não aparecem em primeiro plano em sua obra, embora estivessem na base de sua compreensão (desde seus estudos psicofisicos acerca dos complexos).

(…)Claro, é preciso vincular o corpo ao self, porque o corpo distinto é a aparência distinta do self no espaço tridimensional, embora ainda seja uma função como a mente. Você não pode dizer que a mente é uma função do self sem admitir que o corpo também é uma função do self. (..) Mas o corpo é, naturalmente, também uma concretização, ou uma função, daquela coisa desconhecida que produz a psique tanto quanto o corpo; a diferença que fazemos entre a psique e o corpo é artificial. Isso é feito para uma melhor compreensão. Na realidade, não há nada além de um corpo vivo. Esse é o fato; e a psique é tanto um corpo vivo quanto o corpo é a psique viva: é exatamente a mesma coisa. (JUNG, 1997, p.113-4 – Tradução e grifos nossos)

A compreensão integrada do individuo (corpo-psique) compartilhada por Jung e a medicina chinesa conduz a um outro aspecto da importante que é a noção de equilibrio e homeostase baseada num principio dinâmico de autorregulação. Para Jung a autorregulação se daria através do equilibrio das relações entre a consciência e inconsciente – que envolveria tanto processos simbólicos/integrativos e processos defensivos – que abarariam os processos de somáticos.

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Na medicina chinesa temos um intrincado sistema de autorregulação que envolve duas teorias complementares a teorias do Yin e Yang e a do Wu Xing ou a teoria dos cinco movimentos / elementos (madeira-fogo-terra-metal-agua) com ciclos de geração e dominancia. Como necessita de uma explicação mais extensa vamos abordar essa concepção num post futuro.

As aproximações e possibilidades de dialogo entre o pensamento junguiano abrem um caminho importante para pensarmos o corpo, psicossomática e as possibilitades que a medicina chinesa – e as práticas integrativas e complementares à saúde – oferecem para uma compreensão mais ampla dos processos de saúde.

Nos próximos posts comentarei outros elementos da medicina chinesa que contribuem com a psicologia analítica, especialmente relacionado com uma concepção mais ampla da psicossomática.

Referências Bibliográficas

JUNG, C. G., Memórias Sonhos e Reflexões, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987

JUNG, C.G, Mysterium Coniunctionis v.2, Rio de Janeiro: Petrópolis, 2012.

JUNG, C.G, Natureza da Psique, Rio de Janeiro: Petrópolis, 2020.

JUNG,  Carl  Gustav.  Jung’s  seminar  on  Nietzsche’s  Zarathustra.  Editado  e  resumido  por James  L.  Jarrete.  Prefácio  de  Willian  McGuire.  Princeton/NJ:  Princeton  University  Press, 1997.

Contatore, Octávio Augusto, Tesser, Charles Dalcanale e Barros, Nelson Filice deMedicina chinesa/acupuntura: apontamentos históricos sobre a colonização de um saber. História, Ciências, Saúde-Manguinhos [online]. 2018, v. 25, n. 3 [Acessado 25 Março 2022] , pp. 841-858. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-59702018000400013>. ISSN 1678-4758. https://doi.org/10.1590/S0104-59702018000400013.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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Pensando a ansiedade na perspectiva junguiana

A ansiedade é uma experiência universal. Todos experimentamos a ansiedade em diferentes momentos da vida, diferentes formas e intensidades. Podemos conhece-la por diferentes nomes: aflição, angustia, impaciência, agonia, gastura, inquietude, preocupação etc; todos essas situações apontam para um estado de preparação(antecipação) tanto psíquico quanto somático. Em alguns casos podem predominar os aspectos psíquicos em outros os somáticos.

A ansiedade se caracteriza como uma resposta adaptativa a uma possível ameaça. No passado mais distante as ameaças eram mais objetivas, externas e que colocavam em risco a continuidade da vida. Com o desenvolvimento cultural as ameaças se tornaram diversificadas ampliando das mais objetivas às relacionadas a aceitação, segurança, desempenho de função dentre outras.

A psicodinâmica da Ansiedade

Na literatura junguiana temos poucas referências sobre a ansiedade. Geralmente a ansiedade é associada com amplificações mítica/arquetípicas ou a relação a constelação dos complexos ou na emergência de uma dinâmica arquetípica. Gostaríamos olhar por uma perspectiva diferente das concepções tradicionais e clássicas.

As amplificações arquetípicas em torno da ansiedade podem estar tanto associadas à personificações/representações do trickster ou da sombra (personificada em monstros) por indicarem perigo e ameaça, quanto ao Jung (2000, p.47) nomeou de “arquétipos de transformação” que são locais, ambientes e situações – por ex. caverna, floresta, abandono – que apontam para igualmente a indeterminação e insegurança.

A ansiedade se faz presente nas entrelinhas das narrativas, quando nos deixa apreensivos, incomodados, temerosos. As narrativas relacionadas a ansiedade tanto nos mitos e contos, indicam uma saída, uma forma de lidar com ansiedade – uma vez que indicam como lidar com o objeto que causa ameaça. Contudo meu objetivo, não é esmiuçar as dinâmicas arquetípicas vinculas a ansiedade mas pensar seu aspecto na psique pessoal.

Na esfera pessoal, devemos pensar a ansiedade tanto em termos de Self quanto em termos de Ego. A percepção da ansiedade em associada do Ego, vem desde a psicanálise de Freud (1996, p101) já postulava que o ego era a sede da ansiedade, uma concepção correta contudo incompleta quando consideramos que a ansiedade já está presente na primeira infância, num momento anterior ao desenvolvimento do ego. Precisamos pensar e diferenciar essas duas dinâmicas.

No período que antecede ao desenvolvimento/estabelecimento do Ego como centro/mediador das relações consciente, compreendemos que a criança está num estado desenvolvimento onde o Self, a unidade biopsíquica que gradativamente se deintegra possibilitando a organização do psiquismo, é o principio que incita e organiza do desenvolvimento(sobre o desenvolvimento veja nosso texto Perspectivas Junguianas acerca do Ego parte1/3 ).

Nos primeiros meses de vida a ansiedade se manifesta como resposta à ameaças como frio, calor, fome, dor dentre outros, que a criança tende a reagir com o comportamento de protesto (como choro e agitação) assim como à situações de separação da figura de apego que sustenta sensação a proteção e segurança da criança. Essas relações de apego são importantes pois, as figura(s) de apego recebem a projeção do Self na infância possibilitando um estado de estabilidade de segurança, que viabilizará o desenvolvimento com as relações do meio, com os outros.

A ansiedade expressa uma função defensiva, onde a energia se retrai ante aos objetos percebidos como ameaça e ativam as defesas, em busca de segurança. As defesas primitivas, também chamadas defesas do Self são base do desenvolvimento das defesas do Ego. Em todo caso, visam neutralizar o objeto de desprazer/medo/ansiedade para garantir um desenvolvimento adequado do ego (ou no caso, do ego a manutenção de suas funções).

As relações afetivas/apego servem às defesas visto que a figura de apego por geralmente afastarem os objetos negativos/ansiogêncios. Contudo, quando essas figuras de apego falham seja pela separação continua, comportamentos ambivalentes, e/ou atitudes agressivas – não sustentando a segurança necessária ao desenvolvimento – as defesas atuam podendo manter um estado continuo de ansiedade (para evitar a perda na relação com as figuras de apego) ou em casos extremos atuam rompendo os laços afetivos de confiança e apego, como descreveu Donald Kalsched(2013) em seus trabalhos sobre o trauma precoce.

A ansiedade associada a processos do Self envolvem situações intensas apreendidas como ameaças à continuidade da vida. Mesmo em idades avanças, quando as defesas do Ego não são capazes de lidar com o estimulo-ameaça (no geral em situações traumáticas), como no transtorno de estresse pós-traumático. Com o desenvolvimento do Ego, a ansiedade se torna uma referência de enfrentamento e adaptação, tendendo a ser percebida como uma ameaça ao ego tanto em relação a sua integridade quanto ao exercício de suas funções.

Em outro texto, comentei sobre a complexidade do ego ( Perspectivas Junguianas acerca do Ego parte 2/3 ) que é um fator importante para pensarmos a ansiedade. Pois, assim como o ego tem um aspecto somático, inconsciente e consciente e a ansiedade se manifesta através do corpo, com conteúdos inconscientes e conteúdos cognitivos.

A dinâmica da ansiedade está relacionada a capacidade do Ego em se adaptar/responder as exigências do meio e manter da estabilidade/segurança do organismo – para tanto é necessário força e coesão do Ego, que também podemos compreender como resiliência. Assim, o ego responde de acordo com suas capacidades defensivas (isso envolve tanto defesas sociais como da persona e as mecanismos de defesa do ego) e as experiências de vida – que estão associada aos complexos. Assim, precisamos considerar:

– Organização e defesas do Ego: Temos três situações: a) um ego maduro, forte, coeso ou resiliente pode ser capaz de elaborar a situação de ansiedade, revendo suas possibilidades, aprendendo e criando novas estratégias de enfrentamento e adaptação. b) o ego maduro, forte coeso pode responder defensivamente afastando do campo da consciência a percepção do objeto ansiogênico, sem elaborar ou se modificar pela experiência, nessas situações é comum que suas funções se mantenham “normais”, pois o objeto foi neutralizado ou deslocado para o corpo – gerando quadros de estresse, doenças psicossomáticas e/ou autoimunes. Com frequência o paciente diz que não é ansioso ou não se acha ansioso, pelo fato da ansiedade não prejudicar o curso da consciência. c) um ego com experiências limitadas, constituído com laços afetivos com poucos recursos defensivos, cuja experiência (ao longo do desenvolvimento foi marcada pela ambivalência/insegurança) tem maior dificuldade para se adaptar, desenvolvendo um caráter defensivo mais acentuado, apresentando um grau maior de ansiedade.

Devemos observar que as situações a e b ocorrem naturalmente em nossa na vida cotidiana .

Complexos ideoafetivos: Os complexos fornecem ao ego recursos históricos e modelos pessoais de reação/resposta. Se ao longo da vida as experiências forem de insegurança, a tendência é que os complexos tensionem as defesas do ego, ativando de acordo com a situação de possível ameaça ou a repetição de situação anterior, esse tensionamento também é chamado de “constelação do complexo”. De forma geral, a constelação do complexo ocorre por analogia ou similaridade à situação anterior. A manutenção do estado defensivo ocorre justamente porque o ego-consciente não elaborou o conteúdo (tanto cognitivo quanto afetivo) da ameaça passada quanto das defesas. Contudo, esses conteúdos exigem também a análise dos fatores externos que ativam o complexo. (recentemente publicamos um texto sobre A teoria junguiana dos complexos).

Uma pequena amplificação acerca da ansiedade

A ansiedade é uma palavra que expressa um universo de significações. É importante percebermos como a ansiedade se manifesta para o paciente específico. E perceber suas manifestações somáticas, as relações de segurança/proteção que o paciente estabelece. Pois, cada uma das “variações” exige um olhar diferenciado. Essas variações são expressas nas classificações nosológicas mais comuns como transtornos fóbicos-ansiosos, transtorno de ansiedade generalizada; transtorno do pânico e o transtorno de estresse pós-traumático.

Como nosso objetivo não é discutir classificações, mas pensar manifestações, chamando para o fato de que ela pode ser qualificada pela predominância de outros afetos como medo que inibe os processos de que enfrentamento e adaptação gerando um recolhimento e a busca pela evitação; insegurança percebida como a preocupação que, diferente do medo, gera uma miríades de pensamento que sem foco/intenção não ganham forma e não se materializam como ação; a raiva que quando limitada e sufocada perde sua força expansiva, transformadora e criativa e se torna frustração e tendendo tensionar o corpo, gerando agitação e mobilizando uma série de sintomas somáticos; o poder envolve a necessidade de controle, reconhecimento e organização; esses são alguns exemplos que podemos compreender a ansiedade associada a outras emoções que podem estar claramente manifestas ou não.

Do mesmo modo, a ansiedade pode se manifestar afetando diferentes sistemas do corpo que pode se tornar uma forte resistência a mudança, ainda mais associada a diferentes emoções (como esboçamos acima) e na forma como interpretamos a realidade seja como nós compreendemos a nós mesmos, nossos recursos internos e a realidade circundante. Desde modo, precisamos compreender a complexidade da ansiedade e como afeta o individuo como um todo (corpo-emoções- cognição), para assim traçar estratégias mais eficafazes de trabalho com a ansiedade.

A psicologia analítica possui uma diversidadede possibilidades de trabalhos com a ansiedade, associando técnicas tradicionais da análise do inconsciente(complexos), sonhos, defesas com técnicas sandplay, hipnoterapia, técnicas expressivas dentre outras; que possibilitam a construção de estratégias com paciente, permitindo o ego, reorientando em relação a percepção do corpo, reconhecimento de recursos que o paciente tem e que pode desenvolver.

Acredito que vale a pensa considerar que o trabalho conjunto da psicoterapia/análise com as práticaspráticas integrativas e complementares a saúde, como acupuntura, fitoterapia e yoga, podem ser de grande contribuição no tratamento da ansiedade. A complexidade do fenômeno da ansiedade torna necessário integrar os recuros possiveis para auxiliar os paciente em seu tratamento – sem descartar os tratamentos alopáticos tradicionais.

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Referências bibliográficas

Astor, J. Michael Fordham: Innovations in Analytical Psychology. London: Routledge. , 1995

Freud, S. Inibições, sintomas e ansiedade In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (Vol. XX). Rio de Janeiro: Imago. 1996, p.101.

JUNG, C.G. Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Petrópolis: Vozes, 2000.

KALSCHED,D. O Mundo interior do Trauma, São Paulo:Paulus, 2013

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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Os Complexos na Teoria Junguiana

A teoria dos complexos marca o início da construção teórica junguiana, sendo inclusive um dos pontos mais lembrados quando falamos do pensamento junguiano. Recentemente foi feita uma sugestão no instagram que eu falasse sobre complexos, me espantei que em mais de 10 anos do blog não ter escrito um texto específico sobre os complexos.

Corrigindo esse lapso, apresento essa visão geral da teoria dos complexos buscando apresentar sumária os aspectos fundamentais da teoria, prática e sua evolução histórica. Os estudos de associação de palavras que levaram à descoberta dos complexos tiveram inicio em 1903 se estenderam até 1909,.

Os estudos de Jung foram baseados em pesquisas de Kraepelin e Aschaffenburg com associação de palavras. Acreditava-se que a demetia precox (posteriormente renomeada para Esquizofrenia) era resultado de baixa tensão associativa. Jung e sua equipe buscava compreender o tempo de reação com o objetivo de criar um instrumento  para o diagnóstico diferencial  de doenças, esse objetivo não foi alcançado.

Inicialmente o “teste de associação de palavras” contava uma lista de 400 palavras. 231 substantivo. 69 adjetivos. 82 verbos. 18 advérbios e numerais. Posteriormente, foi diminuído para 100 palavras. Cada palavra-estímulo era dita ao participante e o tempo de reação e a palavra-resposta eram anotadas, após o término da lista, essas palavras eram repetidas para análise do tempo e das palavras-resposta. O teste foi aplicado comparativamente em pacientes neuróticos, psicóticos e “saudáveis”.

Jung e sua equipe ao analisar o tempo de reação/reposta, tiveram achados importantes:

  • O tempo de reação indicava que havia um esforço adaptativo da consciência evitando conteúdos não disponíveis a consciência.
  • Havia uma alteração/perturbação no curso da consciência.
  • As palavras com maior tempo de reação estavam relacionadas entre si, com uma relação temática.
  • O tempo de reação estava associado a mudança no estado afetivo do paciente.
  • Ao realizar uma entrevista com o participante, as palavras estímulos remetiam a momentos significativos da vida/história do participante.

As descobertas com os estudos experimentais com associação de palavras aproximaram Jung dos trabalhos de Freud que apontavam na mesma direção de conteúdos inconscientes que afetariam o curso da consciência e que estariam dissociados da consciência. Jung que lera a “Interpretação dos Sonhos” em 1900, notou a semelhança do que Freud vinha dizendo a partir de sua experiência e prática clínica.

Word Association Experiment – Bringing our Complexes to Light
Cena do Filme “Um Método Perigoso” 2011

Posteriormente, Jung e sua equipe realizaram pesquisas psicofísicas com pneumógrafo, galvanômetro que permitiram perceber que haviam mudanças significativas na reação somática (emissão de CO2, assim como mudança na tensão elétrica da superfície da pele).

Dos estudos experimentais Jung e sua equipe concluiu que:

  • As alterações no curso da consciência ocorreria por um aglomerado de idéias/memórias unidas com um mesmo eixo temático ou de significação e uma carga afetiva;
  • A carga afetiva que “energizava” esses conteúdos poderia variar em intensidade, podendo se percebida pelo tempo de reação, assim como as alterações psicofísicas, nas expressões (faciais, agitação) do paciente.
  • O tempo de resposta e as manifestações corresponderiam a tentativa da consciência/Ego em manter esses conteúdos fora da consciência.

Dessas conclusões Jung denominou esse “aglomerado de ideias/memórias unidos por uma carga afetiva” de complexos de acento emocional, essa primeira denominação evoluiu para complexos de tonalidade afetiva, e posteriormente Complexo ideoafetivo.

Arquétipos e Complexos

Jung compreendeu que seus estudos dialogavam com a psicanálise de Freud, com quem estabeleceu um relacionamento profissional e de amizade que se desenvolveu entre 1906-1913. Com a relação com Freud, Jung direcionou seus estudos aos processos do inconsciente. Contudo, haviam diferenças importantes na prática clinica de cada um. Freud atendia um público com predominância de pacientes neuróticos (histeria e quadros obsessivos), a experiência do Jung Hospital Burgholzli era com pacientes graves, especialmente psicóticos.

Essa diferença é importante pois, Jung acompanhou delírios de pacientes que tangenciavam aspectos impessoais, com profunda similaridade com mitos das diversas tradições culturais, a compreensão que havia um campo impessoal foi a base em torno do qual se desenvolveu a teoria dos arquétipos.

O desenvolvimento da teoria dos arquétipos proporcionou um acréscimo importante para a teoria dos complexos. Os temas arquetípicos universais, mitológicos, compreendidos tanto em delírios, fantasias e sonhos, seriam os mesmos temas fundantes de nossa experiência pessoal. Dito de outra forma, Jung compreendeu que os arquétipos consistiam no eixo em torno do qual os complexos se formavam.

The Interface of Carl Jung and Dissociative Identity Disorder: From  Autonomous Complex to Personality - Document - Gale Academic OneFile

As experiências arquetípicas basais/fisiológicos como nutrição e proteção – personificadas nas ações de cuidado da figura/função materna – espelhariam no campo coletivo às experiências da do arquétipo materno ou da Grande Mãe, no campo pessoal essas experiências arquetípicas seriam a base entorno do qual as experiências de cuidado, proteção e nutrição se configuração ao longo da vida desse individuo, ou seja, do complexo materno. Ao longo da vida as experiências significativas relacionadas ao cuidado (autocuidado), nutrição (incluindo a simbólica) e proteção (Segurança) vão articulando em torno do complexo materno – tornando o complexo mais pessoal e relacionado com a história pessoal, se distanciando do aspecto arquetípico (coletivo e universal).

Assim, os complexos estariam intimamente arraigados nas experiências somática/pessoais e arquetípicas do individuo. Os complexos seriam representações arquetípicas em nossa experiência pessoal.

Na prática, isso possibilitaria uma compreensão mais ampla e profunda dos complexos, visto que podemos compreender a dinâmica dos complexos por analogia de outras representações arquetípicas, como mitos e contos de fadas.

A dinâmica dos Complexos

Os complexos são estruturas ou padrões de organização da psique pessoal fundamentais para nosso desenvolvimento. Isso porque a função mais importante dos complexos é integrar ou organizar nossas vivências/experiências significativas fornecendo referência e repertório de respostas/ações ao Ego.

Quando falamos de “experiências significativas” nos referimos aquelas que possuem uma carga afetiva indicando o que a experiência que se torna memória ou não. Uma experiência pode ser negativa, ou seja, marcada por afetos/sentimentos como rejeição, medo, abandono, insegurança. Ou positivas marcadas por afetos/sentimentos como acolhimento, pertencimento, encorajamento, segurança. A qualidade das experiências vividas(positivas ou negativas) ao longo do tempo serão referência ao desenvolvimento indicando os padrões de respostas possíveis as situações cotidianas. É importante que claro que não é uma situação de rejeição, uma situação insegurança que se tornará referência ou o padrão afetivo do complexo, mas a recorrência, a regularidade dessas experiências ao longo do tempo no caso.

Acredito ser necessário distinguir as experiências que geram um “complexo negativo” das experiências traumáticas. Quando falamos de trauma falamos de experiências que podem ser acumulativas ou agudas(abruptas – como a vivência de violências ou perdas). São experiências que, como descreveu Donald Kalsched, nos “despedaçam” gerando um processo severo de dissociação que prejudica o desenvolvimento, afeta o Ego e prejudica as relações e estabelecimento de vínculos internos e externos.

Um complexo negativo traz consigo dor e sofrimento que as defesas do Ego conseguem lidar ou mesmo elaborar – muitas vezes formando um caráter neurótico, muitas vezes se manifestando ou na dependência ou na reatividade.

O complexo atrai experiências que sejam similares ao seu eixo temático (seu núcleo arquetípico), deste modo as experiências negativas ou positivas serão continuamente acrescidas, aumentando a carga afetiva do complexo. As experiências positivas produzem segurança, confiança e estabilidade ao ego, possibilitando o amadurecimento, a coesão e flexibilidade. As experiências negativas marcadas por sofrimento/dor/rejeição geram ansiedade e tendem a prejudicar as função adaptativas do ego, por isso ele (o ego) tende a se defender afastando ou dissociando esses conteúdos de sofrimento. Mesmo dissociados, os complexos continuam agregando conteúdos(ideias, vivências) e energia aumentando sua pressão sobre a consciência demando mais esforços defensivos do Ego para dissociar/controlar os impulsos gerados pelo complexo.

Lembrar que os complexos possuem a função fornecerem um referencial de ação/resposta ao Ego nos ajuda a compreender os principais padrões disfuncionais da dinâmica dos complexos que são: Invasão e a identidade com o ego.

A invasão se caracteriza pela irrupção repentina do afeto correspondente ao complexo (medo, raiva, tristeza etc) ou de comportamentos e ações inadequados que prejudicam o curso da consciência. Essa “invasão” sobrepõe momentaneamente as defesas do ego, ocorrem quando um evento externo correlato/similar a dinâmica do complexo se apresenta. A invasão é uma imposição momentânea do registro histórico do complexo, , do padrão de referência e repertório rejeitados, à realidade do ego.

A invasão é característica de uma situação onde o ego foi capaz de se defender e manter o complexo afastado/dissociado, evitando o contanto com elementos que possam gerar sofrimento/ansiedade. Fala de um ego funcional mais ou menos adaptado.

A identidade com o complexo se caracteriza pelo ego manifestar um comportamento identico e característico do complexo, podemos compreender que a identidade se manifesta por gerar um mínimo segurança e estabilidade ao ego. Por exemplo, um individuo com um complexo materno pronunciado pode assumir ou um comportamento materno em relação a terceiros ou um comportamento dependente/infantil – em ambos os casos, a repetição desses padrões indicam norteiam o ego, pautam o modo de organização e funcionamento, contudo indica limitação adaptativa, gerando prejuízo às relações e um conflito que impede de individuação.

Essas possibilidades de invasão e identidade são variações disfuncionais a função basal de fornecer repertório adaptativo ao Ego. Uma terceira possibilidade é a Possessão que veremos no próximo tópico.

É necessário considerar que os complexos podem se associar amplificando seu potencial de interferência. Nos exemplos anteriores citei o complexo materno, de forma, o complexo materno negativo pode se associar com o complexo paterno e o de poder (pois não é incomum que uma mãe que se excede – no cuidado, cansaço, proteção – indica um pai ausente, omisso ou fraco, o que associa a incapacidade de enfrentamento da realidade, ou seja, um complexo de poder negativo, ou de inferioridade).

Podemos compreender a dinâmica do complexo intimamente relacionada a capacidade do Ego em se adaptar e elaborar simbolicamente sua própria história. Possibilitando compreender o complexo por aspectos adaptativo, de desenvolvimento do individuo e da energia psíquica.

Dois tipos de complexos

Desenvolvimentos posteriores da teoria dos complexos trouxeram uma compreensão importante acerca das características da natureza dos complexos na dinâmica psíquica. Nos anos 80, Donald Sandner e John Beebe publicaram um artigo chamado “Psychopathology And Analysis” (1982) que lançou uma nova luz sobre a compreensão que os complexos poderiam ser compreendidos em duas categorias: os complexos “ego-alinhados” ou “associados ao ego” e os complexos “ego-projetados”.

Os complexos ego alinhados são complexos mais próximos ao ego, que potencialmente se associam aos elementos de identidade do Ego. Seus conteúdos são mais facilmente reconhecidos como do próprio individuo, mesmo quando projetados. Esses complexos trazem mais propriamente a história do individuo correspondendo à sombra pessoal aos elementos que devem ser integrados e se referem aos complexos que comentamos até aqui.

Os “complexos ego-projetados ” (originalmente complexes ego-projected)

O termo ego-projetado não significa que o ego faz a projeção, mas sim que o ego se relaciona com esse tipo de complexo na forma projetada. Embora esses complexos sejam teoricamente partes da psique, localizados em níveis mais profundos do inconsciente do que os complexos da sombra, eles são comumente experimentados pelo ego como qualidades em outras pessoas. (BEEBE et SANDNER, 1984, p.304- tradução nossa)

O fato de estarem em camadas mais profundas da psique e serem experimentados em sua forma projetadas, não como “partes” ou da “identidade do ego”. Por estarem em camadas mais profundas, tendem a ser mais impessoais e próximos das camadas coletivas/culturais da psique. Nesta categoria encontramos a Anima/Animus, Trickster, Salvador, Morte e aspectos impessoais dos complexos parentais – dentre outros. Esses complexos impessoais possuem um carater arquetípico (energia e convulsividade) muito mais acentuadas. Por isso, quando em relação direta com o Ego vemos o fenômeno de Possessão , o Ego é possuído pelo aspectos impessoais/coletivos perdendo momentaneamente sua individualidade/pessoalidade.

Por não estarem relacionados diretamente com a formação da identidade Ego e mais relacionados com aspectos arquetípicos/coletivos são nomeados como “arquétipos”. O Ego se relaciona com eles pela “projeção” ou personificada em símbolos para proteger do fenômeno possessão que é potencialmente trágico – podendo comprometer o desenvolvimento do Ego e assim o processo de individuação. Fiona Ross no livro “Perversion: A Jungian Approach” sugere que a perversão está associada a identificação do Ego com o Trickster.

Os complexos ego-projetados são aspectos do Self por excelência indispensáveis para individuação. Na prática clínica lidamos com eles em duas situações importantes:

1 – Quando lidamos com complexos culturais: quando fatores históricos da psique cultural (grupo, étnico ou familiar) se manifestam à psique pessoal influenciando os complexos pessoais.

2 – Quando elidamos com a transferência/contratransferência arquetípica: são situações onde após a integração dos complexos ego-alinhados a libido regride às camadas mais profundas ativando os dinamismos arquetípicos essenciais à individuação.

Para concluir…

A teoria dos complexos é extremamente importante para uma compreensão ampla e profunda do pensamento junguiano. Muitas vezes, nos restringimos aos textos de Jung que fundam a teoria. Contudo, como um organismo vivo o pensamento junguiano está em movimento e transformação. Embora não seja o foco deste texto, os complexos culturais são um desenvolvimento importante e um novo capitulo que torna a “teoria dos complexos” ainda mais rica e atual.

Referência Bibliográfica

PERRONE, M.P.M.S.B.  Complexo: conceito fundante na construção da psicologia de  Carl Gustav Jung, 2008,155f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2008.

Sandner, D. F. and Beebe, J. . “Psychopathology and Analysis.” in Stein, M. (ed.), Jungian Analysis. Boulder, Colo. and London: Shambala, 1984.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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